Norberto de Araújo estreou-se nas letras com um livro – Miniaturas – editado em 1920, pela Bertrand, com capa de Leitão de Barros e ilustrações de Columbano, João Vaz, Carlos Reis, Sousa Pinto, Roque Gameiro, Alberto de Sousa, D. Helena Gameiro, Alfredo Morais e Martinho da Fonseca.
Dedicado a sua filha mais velha, o autor desvenda no prólogo o tema dos seus contos dizendo:
«… E nem a vida é outra coisa senão uma minúscula miniatura, engastada de desesperos, ilusórias alegrias, revelações atraiçoadas. Vinte linhas cada vida arrancada ao livro sem fim que vem do eterno velho e vai para o eterno novo, por aí fora, na renovação contínua dos esmaltes. A vida! Miniaturas vagas, imprecisas, incoerentes, átomos de qualquer cousa que nunca chega a ser e se dispersam como as impressões dos líricos débeis. Interiores onde os corações descansam sob a almofada macia dos afectos, toda ela feita de penas. Paisagens onde as almas abrem asas, na ânsia das côres, na sede impulsiva das frescuras virgens. Catástrofes, lendas, epopeias – miniaturas! Tragédias da carne, paixões de querer de mais, comédias de virtude, abnegações ignoradas, histórias de amor – miniaturas! Sobre todas elas, desde o começo dos mundos, desceram as orações dos crentes e o juízo crítico dos filósofos. Que desça sobre estas a ternura dos vossos olhos, leitorazinhas, e a côr amiga do vosso comentário, espíritos ágeis, irmãos do meu. Isto são esmaltes ovais, onde a forma desabrochou tal qual á mercê da inspiração. Reflexos de velhas porcelanas, de marfins polidos por beijos…»
Páginas reveladoras de uma alma delicada e sensível, de uma simplicidade própria dos grandes espíritos e, de uma fina capacidade descritiva e narrativa acompanhada de sentido poético e de uma indisfarçável nostalgia do passado:
«Tenho um candeeiro de três bicos, que vem de longe. Serve de ornamentação, em regra, tanto a velharia hoje é cousa ornamental. Suas torcidas secaram e os atributos do objecto histórico têm já manchas de verdete. É raríssimo utilizá-lo. Mas, mesmo pôsto de parte, eu tenho amor ao candeeiro. Na complicação da visa moderna, a sua simplicidade ameniza. Para ler uma carta de Vieira, um soneto de Quental, a luz mortiça, quebrada no reflector, tem luar…. A seguir à civilização do azeite, toda a iluminação é bonita, mas bonita como a beleza do pó de arroz… Dá-nos um conselho o velho candeeiro amarelo, e, quási sempre, ao seu pequeno clarão religioso adormecem mais cedo os olhos e acalmam-se as paixões…» (Interiores, pp. 13-14); ou,
«Deixo-me ficar a ouvir as rãs e a voz do passado, e, entretanto as sombras vão caindo sôbre buxos, águas, choupos, pomares, azulejos; caindo como a cortina do Tempo caíu sôbre o espírito duma época que nem o sol, que há-de voltar amanhã, é capaz já de renovar» (Ar Livre, p. 77). Ou ainda,
«Nada comove tanto como uma ruína. A ruína dum palácio, a ruína duma igreja, a ruína duma mulher. Há nelas sempre beleza; tudo está em ter alma para senti-la. É o passado vitorioso a dizer que os anos passaram e passaram os amores» (Subjectivismo, p. 163).
Em 1922, publica, também na Aillaud e Bertrand – Varanda dos meus amores, que ele prórpio classifica no prólogo como «livro de crónicas soltas, feitas à hora em que os que não escrevem dormem, bocados de existência alheia que se multiplica e renova dentro de nós, os que pensamos e fazemos bela a vida, Varanda dos meus amores, quere dizer um minuto daquilo tudo que eu vejo a todas as horas, átomo do que nós escrevemos todos os dias, e se lê e se gasta e se perde, como a própria face polida dos duros bronzes milagrosos».
Divido em rês capítulos: O Povo, Os Sacerdotes e as Cinzas, sendo as crónicas do I capítulo dedicadas a Aquilino Ribeiro, a Brito Camacho, a D. José Paulo da Câmara, a Rocha Junior, a Mário Salgueiro e Alberto de Sousa e datadas de 1918-19.
Introduzindo o primeiro capítulo o autor escreve «O amor que eu tenho ao Povo é como o amor que alguns homens têm a certas mulheres, que eles sabem que são tristes, velhacas e mentirosas, mas que guardam em si segredos de volúpia, venenos orientais servidos em taças de oiro, um grande sonho de Beleza nas suas linhas esculturais inconscientes, primeira obra do creador».
Nos Sacerdotes o autor refere-se aos artistas que «passam ajoujados, com a sua cruz enorme, como a dos Cristos, e vão assim a cantar canções de amor, numa irreverência e num desprêso pela dor, como os cristãos nos circos diante da morte… São o espírito eleito daquele Povo de que falo nas páginas anteriores. São as flores da virtude. São os sacerdotes da Beleza.» As crónicas versam assim sobre Teixeira Lopes, Gomes Leal, Roque Gameiro, Augusto Rosa, Amélia Rey Colaço e, Marcelino Mesquita.
O último capítulo Cinzas é dedicado a Raul Brandão e a Joaquim Manso.
Seguiu-se por ordem cronológica Vinha vindimada, publicado pela Bertrand, em 1924, com uma bela capa de Alfredo Morais. Numa crítica assinada por A. de A., no jornal ________, diz-se que em Norberto Araújo «… a prosa sae-lhe de um jacto cantante, policroma, nervosa, musculada, sincera, desprovida de todo o artifício e, por isso mesmo, atraente e sugestiva. Norberto Araújo, romântico perdido no meio de uma sociedade utilitarista, apaixona-se por todos os tema que tocam o coração ou que, no fundo, encerram matéria bastante para nos enternecer. As figuras humildes cativam-no particularmente. Os assuntos que para outros seriam vulgares conteem para ele motivos e pretextos para comovidas páginas».
Novela do amor humilde. Lisboa : Aillaud e Bertrand, 1925; 2ª ed. refundida. – Lisboa : Livrarias Aillaud e Bertrand, 1927; edição em castelhano, Novela del Amor Humilde, Madrid, Ediciones Oriente, 1929. As edições portuguesas com uma bela capa delineada por Stuart Carvalhais, cujo original faz parte do Arquivo do escritor.
Esta novela foi provavelmente a mais conseguida de Norberto de Araújo, tendo alcançado êxito considerável em Portugal e no Brasil e sido acolhida com críticas favoráveis por escritores de nomeada como Júlio Dantas, Augusto de Castro, Joaquim Leitão, Rocha Martins, Aquilino Ribeiro e João de Barros.
Sobre ele escreveu Matos Sequeira: «… é uma apoteose à ternura das almas simples, ao amor-intuição das almas humildes, sem complicações sentimentais, sem nebuloses de civilização amorosa, na pureza nativa com que transborda aos corações sensíveis que aprendem a amar em si mesmo» e mais adiante, « A formidável alma popular, como lhe chamou Cesário Verde, é que anima todo este livro, rica como nenhuma outra, de poesia, de pitoresco e de ternura».
No Prólogo o Autor diz-nos que o livro «… é uma história verdadeira. Eu a escrever e tu a ler – é que criamos a verdade. Nesta novela não há complicações. Tudo decorre serenamente como nas romarias, onde o tumulto é feito da tranquilidade de um ano inteiro à espera, e onde as cousas dizem todas a mesma alegria sã, a mesma sede de viver em amor, quer falem, quer contem, quer meditem».
Adiante explica que «Nela não te darei artifício algum de literato, não forçarei quadros tocando-os da beleza de inverosímil arte; não criarei elegâncias de estilo novo, nem irei buscar ao fundo da minha alma, aberta, é certo, para todas as belezas, inspirações requintadas, de harmoniosa forma, mas que o espírito do livro não quere comportar. Procurei apenas uma maneira simpática, que te permita – e a todos, que afinal todos somos como tu – entender melhor a humildade de que é feita a vida».
E, rematando o seu pensamento, Norberto de Araújo confessa que «A humildade é linda, e única poesia da terra. Não há beleza sem ela, e até na opulência magnífica das altivas tendas do pensamento, a humildade existe, sob a forma de emoção ou de revelação».
Teve uma 2ª edição, refundida em 1927, também editada pela Livraria Aillaud Bertrand e, em 1929, foi editada em Espanha, pelas Ediciones Oriente, de Madrid, com tradução do escritor e jornalista galego E. Correa Calderón e capa de pintor, ilustrador e artista gráfico Ramón Puyol Román.
No Prólogo da edição española, pode ler-se sobre esta novela: «Se ha dicho que en ella se encuentra la novela portuguesa su definitiva manera moderna, ajustada al carácter de la raza, imposible de exceder en simplicidad y poder emotivo. Se ha dicho, también, que esta novela puede colocarse justamente al lado de Amor de Perdición, la más célebre obra de Castelo Branco».
Em exemplar dedicado a seus filhos Tina e Marius, Norberto Araújo escreveu, em 12 de Março de 1929: «ofereço esta tradução de um livro simples e português, que a vocês deixo como reflexo de uma hora emotiva da minha vida literária, talvez a mais triste e ao mesmo tempo a mais alegre.»
Dentro do Castigo – Teatro, 1924
A peça foi representada em 1924 no Teatro Nacional não tendo chegado à 15ª representação e, segundo um crítico, escrevendo meio século depois, «as opiniões divergiam acerca do valor da obra do grande jornalista que foi Norberto de Araújo, razão por que se estabeleceu à sua volta um ambiente de expectativa. Aceite a peça e distribuída pelos artistas Ester Leão, Ilda Stichini, Palmira Torres, Rafael Marques, Ribeiro Lopes, Joaquim de Oliveira e João Calazans, começaram os ensaios sob a direcção do professor Augusto Lacerda». Mais adiante, o referido crítico que assina A. de A, cita Norberto de Araújo falando sobre a sua peça:
«Dentro do Castigo não é uma peça de tese. Deus me livre! Apresento um caso íntimo, que determinada figura resolve segundo as inspirações da sua educação moral, da sua tendência idealista, do seu conceito de generosidade. Sobre técnica e teatro, confesso que não sei o que isso é. Sou jornalista há já alguns anos, tendo feito centena de artigos, e ainda hoje não sei o que é a técnica do artigo e da crónica. Guio-me apenas pelo «espírito» que tem de presidir ao trabalho. A maneira de fazer, a mais leal e espontânea, resulta naturalmente. No teatro fiz o mesmo. E se eu continuasse a escrever teatro nunca mudaria de processos. Reconheço, porém que a chamada técnica é uma necessidade e tenho pena de a este respeito ser absolutamente ignorante.»
Rematando A. de A. diz que «…Norberto de Araújo um notável novelista, um dos maiores olisipógrafos e um jornalista de talento cheio de vivacidade, sabendo comentar os acontecimentos como talvez não teria voltado à Imprensa outro igual, mas não o fadou Deus – avaliar pela peça «Dentro do castigo» – para escritor teatral».
Portugueses em Roma, Renascença Gráfica, 1926
Trata-se das crónicas, artigos e reportagens escritas como enviado do «Diário de Lisboa» para cobrir a primeira Peregrinação Portuguesa a Roma, por ocasião do Ano do Jubileu em Maio de 1925, reunidas em volume com prefácio de S.E. o Cardeal Patriarca D. António Mendes Belo e cartas do Dr. Joaquim Pedro Martins, Ministro dos Negócios Estrangeiro ao tempo das Peregrinações, do Dr. Augusto de Castro, Ministro de Portugal junto da Santa Sé e, do Conselheiro Ayres D’Ornellas, lugar-tenente e secretário em Roma, do Senhor D. Manuel de Bragança.
Como afirma no seu Prefácio e, não fugindo às lições da História, Norberto de Araújo diz que «Depois da Embaixada de Tristão da Cunha, opulenta e deslumbrante, plena de efeitos políticos e reflectora de um grande poder temporal – não voltara a Roma dos Papas outra embaixada portuguesa. Esta foi de fé humilde e de lirismo puro, e ao contrário da outra, dos tempos da nossa grandeza, foram com ela o povo, a nobreza, o clero, reflexos da nossa terra, quadros da nossa vida social, e um pouco dos nossos costumes, até dos nossos vícios inocentes». E, confessa a final, com estas singelas palavras:
«Encerro estas linhas com a firmação da minha crença cada vez maior em Deus; do meu amor cada vez mais radicado às cousas da Pátria; da minha esperança, cada vez mais firma, numa Republica, tolerante e progressista – e tradicionalista».
E, não resistimos a citar uma passagem elucidativa da Carta do Dr. Augusto de Castro: «Ainda que o espectáculo religioso o não comovesse, a visão da beleza que ele traduziu não podia deixar de impressionar, meu caro Norberto de Araújo, a sua alma de artista. Há nas suas notas de viagem, que vae agora reunir em livro, o notável testemunho disso. Com uma admirável noção profissional das suas responsabilidades e na flagrante inteligência do que viu, o Norberto de Araújo evitou dar imagens para só dar perfis… o seu livro tem admiráveis croquis – e será um repositório vivo de recordações, animado pela poesia das grandes sombras que pretende evocar.»
Por seu turno, o Dr. Joaquim Pedro Martins sublinhou «as suas cartas e notas de reportagem, pois, se documentam brilhantemente o valor do literato, do observador e do crítico, são também uma boa e estimável acção do patriota e do republicano, que, sobranceiro a paixões e a interesses, só procurou, leal e intemeratamente, servir a verdade».
Duas Mulheres, Teatro, 1928
Esta peça foi representada no Teatro Trindade, nos 50 anos de teatro de Adelina Abranches e, em 18 de Março, no Teatro São Luiz, interpretada por Lucília Simões e Aura Abranches. Posteriormente viria a ser incluída como peça de exame no reportório do Conservatório Nacional.
El Loco de las Estampas, Madrid, Prensa Gráfica, 1924; Passa longe o amor : novelas : Lisboa : Sociedade Contemporânea de Autores, 1929
Esta obra foi primeiro publicada, em 1924, pela editora espanhola Prensa Gráfica, de Madrid, com tradução do escritor Andrés Gonzalez-Blanco (1886 – 1924) – novelista, poeta e crítico literário, sob o título «El Loco de las Estampas». Porém, segundo nota inserta na edição portuguesa, sofreu alguns cortes, alheios ao autor e ao editor, daí, ter sido publicada na íntegra, em 1929, segundo o original e apenas com ligeiras alterações de revisão.
Segundo nota do Autor, «Passa Longe o Amor é um livro que eu poderia intitular As Três Novelas da Renúncia – se o título, por pretensioso, não corresse o perigo de inexacto. Em verdade, nestas três novelas a renúncia não impede – que passe ao longe o Amor. No Louco das Estampas, a renúncia por um conceito de beleza quebra-se ante o despertar da verdade, no limiar da morte. No Cão do Palácio – a renúncia por uma ideia -, o homem vê passar ao longe o amor, tardiamente, irremediavelmente, e, ainda, que tranquilo, é na saudade desse amor que ele descansa a cabeça. No Homem que deu a vida, a renúncia é um acto voluntário, mais lógico que heróico, digno mas normal, cujo arrependimento seria inferior ao conceito exacto da honra que está acima de todos os ímpetos triviais do instinto. A renúncia, neste caso, é ainda e apenas fatalidade». E, acrescenta, «o espírito deste livro é meramente novelesco. Numa novela não cabem dogmas, que sou ainda muito novo para proclamar. Deixo os dogmas, em amor, para aqueles que só curam do amor do outros».
Segundo o prefácio da tradução espanhola, esta novela assinala «… ese admirable dualismo del crítico de arte y del novelista, que sólo es dado poseer á los que, como Norberto de Araújo, viven en la atmosfera estética del amor à la beleza de las Belas Artes. Díriase este apasionado de trez tipos femeninos, descubiertos en su colección de estampas primorosas, un personaje de los Gongourt, de Lorrain, de Mauclair, de Ugo Ojetti. Porque Norberto de Araújo, à la manera de esos escritores, busca sus figuras en el mundo divinamente desequlibrado de los seres ajenos á la vulgaridad…»
Fado da Mouraria, 1931
Segundo o autor, este livro «…limita-se a dar corpo e alma a um episódio verídico, perdido na tragédia dos anónimos – é irmão do Novela do Amor Humilde.» e, «este meu “Fado da Moraria” – não é reles. Nem uma guitarra, nem uma cantiga – que no livro não chegam bem a tomar expressão. Este é o Fado-fatalidade, um simbolismo, um determinismo, que se recorda em lance de vida viva, e existe no povo, mesmo no que nunca cantou nem ouviu cantar, mesmo no que não conheceu nenhuma das Mourarias da existência, mas que as atravessa, supondo atravessar Avenidas opulentas, floridas de olais, animadas de sol ou recamadas de dor».