Notas Biográficas

Fotos_8Norberto Moreira de Araújo, nasceu em Lisboa, a 21 de Março de 1889 e faleceu a 25 de Novembro de 1952. Filho de Ernesto Maria de Araújo e, de sua mulher D. Carolina do Amaral Moreira.

Após concluir a instrução primária, entrou para o Seminário de S. Vicente que porém cedo abandonou e, após a morte prematura de seus pais, foi  viver com seu tio materno, José do Amaral Moreira.

Jornalista, escritor, poeta, dramaturgo e eminente olisipógrafo com vasta obra publicada sobre a temática Olisiponense.

Em 1904, com 15 anos de idade, foi admitido como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional cuja Escola frequenta, tendo sido o melhor aluno do curso. Em simultâneo com os seus afazeres profissionais, estudava à noite tendo completado o ensino secundário, chegando a matricular-se no Curso Superior de Letras, que não chegou porém a terminar.

Em 1911, casa com D. Lucrécia do Ó Mendez de La Cruz Lopez, de nacionalidade espanhola, oriunda da Andaluzia, nascida em La Línea de la Concepción, Cádiz.

Em 6 de Abril de 1913 profere uma conferência, na Imprensa Nacional de Lisboa,  em parceria com Artur Pereira Mendes, sob o tema Aspectos da tipografia em Portugal, que viria a ser publicada pela I.N., em 1914.

Entretanto, tendo aderido ao Sport Lisboa e Benfica, torna-se colaborador do primeiro jornal do Clube fundado em 1913 – o «Sport Lisboa», depressa tendo vindo a assumir um papel preponderante na elaboração do jornal.

Iniciação no jornalismo desportivo – com o elenco do jornal «Sport Lisboa» em 1913

Em 1915-16 profere mais duas conferências, a primeira intitulada a Democratização da Arte e a segunda,  Da Iluminura à tricromia, que lhe granjearam alguma notoriedade e levaram Luís Derouet, jornalista, deputado do Partido Republicano e, então Director da Imprensa Nacional, a tomá-lo sob a sua protecção e a recomendar o seu ingresso em 1916, na redacção do jornal «O Mundo». Em 1917, Luís Derouet tendo fundado com Mayer Gração, o jornal «A Manhã», convida Norberto Araújo para integrar a respectiva redacção. Neste jornal manteve uma crónica intitulada Miniaturas.

Como era prática na época, Norberto Araújo colaborou com vários jornais, desde o «Diário de Notícais», dirigido por Augusto de Castro, de quem se tornaria amigo, no «Século da Noite», no jornal «A Pátria» e, a partir de 1922, no jornal «Diário de Lisboa», fundado em Abril de 1921 e dirigido pelo Dr. Joaquim Manso, onde se manteria até à sua morte, já como redactor principal.

Almoço DGAlfandegas 1935

Almoço com pessoal da Direcção-Geral das Alfândegas em 1935

Paralelamente á sua actividade como jornalista, Norberto Araújo ingressou nos quadros do Ministério das Finanças, sendo já Chefe de Repartição em 1923 e, sabendo-se que, em Março de 1939, era adido em serviço na Direcção-Geral das Alfândegas, tendo obtido uma licença sem vencimento, não tendo pago porém, qualquer emolumento, por não perceber qualquer abono (Ofº da Direcção da Alfândega de Lisboa, de 26.03.1939, Arquivo Norberto Araújo).

Ou seja, é bem possível que durante alguns anos estivesse na situação de licença sem vencimento, contando porém o tempo para efeitos de aposentação.

Com efeito, em averbamento no seu Bilhete de Identidade nº 47.4110, emitido em 27 de Novembro de 1950, consta que era aposentado nº 31.572, como chefe de repartição , adido à Direcção-Geral das Alfândegas (doc. no Arquivo Norberto Araújo).

Em finais de 1920 realiza uma série de reportagens em Itália, como enviado do «Diário de Notícias», sobre a crise política e a crescente agitação social, animada sobretudo pelo movimento anarco-sindicalista, que agitou o país no post-guerra, que o celebreziram no meio jornalístico.

De destacar as suas reportagens sobre a questão do Fiúme, cuja autonomia como Estado-Cidade, havia sido reconhecida pela Itália, em 12 de Novembro, pelo tratado de Rapallo, mas não aceite por D’Annunzio, o que originou os sangrentos acontecimentos que ficaram conhecidos como o Natal de Sangue, no Natal de 1920.

Igualmente notáveis pelo estilo inovatório, as reportagens sobre Roma e as entrevistas feitas ao Chefe do Governo Giovanni Giolitti, ao Cardeal Pietro Gasparri, Secretário de Estado da Santa Sé, no pontificado do Papa Bento XV, bem como a Benito Mussolini, chefe do movimento e futuro Partido Nacional Fascista e, a outros políticos italianos.

Isto valeu-lhe a atribuição pelo Governo Italiano do grau de Oficial da Ordem da Coroa e um almoço de homenagem no Restaurante Tavares, oferecido por um grupo de jornalistas.

Jantar oferecido pelos jornalistas no Tavares em 20 Abril 1921 após o regresso de Itália

Jantar oferecido pelos jornalistas no Tavares em 20 Abril 1921 após o regresso de Itália

Em 1922 integra a comitiva do Presidente da República Dr. António José de Almeida, na Visita de Estado ao Brasil, como enviado do «Diário de Lisboa», conjuntamente com Norberto Lopes, por ocasião das comemorações do Primeiro Centenário da Independência do Brasil. E, três depois em 1925, é novamente enviado pelo «Diário de Lisboa» para acompanhar a Peregrinação Portuguesa a Lourdes e a Roma no Ano do Jubileu, tendo enviado uma série de notáveis reportagens e entrevistas, reunidas em livro publicado em 1926. Sua filha Ernestina, de onze anos de idade, acompanhaou-o nesta viagem.

A partir de 1926 colabora também com a «Ilustração» e a «Ilustração Portuguesa» e, em 1928 inicia também a sua colaboração,  com uma coluna – A semana sentimental – no jornal «O Notícias Ilustrado», dirigido por Leitão de Barros e onde escreviam também, Norberto Lopes, António Ferro, V. Chagas Roquete e Homem Cristo.

Aquando da visita de Estado a Espanha, do Presidente da República Marechal Óscar Carmona, em 1929, integra a comitiva oficial, como enviado do «Diário de Lisboa».

Assegura igualmente a cobertura jornalística do célebre julgamento do caso Alves dos Reis no processo da burla ao ‘Banco de Angola e Metrópole’, no decurso de 1930 e, no mesmo ano, inicia a publicação de uma série de reportagens no «Diário de Lisboa – Como se trabalha em Lisboa…, inovatórias pelo tema e pelo estilo.

Em 26 de Janeiro de 1932 é eleito Presidente da Direcção do Sindicato dos Profissionais da Imprensa de Lisboa – Casa da Imprensa, cargo que exerce até 1935, tendo na ocasião sido louvado pela Direcção que lhe sucedeu.

Júri Prémio Casa da Imprensa 1932

Júri Prémio Casa da Imprensa 1932

No seu mandato, consolidou a posição da Casa da Imprensa, como organismo defensor da classe, e conseguiu a aproximação com os profissionais da imprensa do norte do país a fim de os integrar na Casa da Imprensa. Fez parte do júri do Prémio da Imprensa, instituído pela Casa da Imprensa e de que faziam parte em 1932: Gustavo de Mattos Sequeira – jornalista, escritor e olisipógrafo, o escrito Ferreira de Castro, o escritor e jornalista Manoel Ribeiro, o Dr. Alfredo Cunha – antigo proprietário e director do «Diário de Notícias», o Dr. Fidelino Figueiredo – professor, historiador e crítico literário e, Norberto de Araújo.

Em 1935, a convite de Leitão de Barros, integra a Comissão Executiva das Festas de Lisboa  que organizou o Cortejo das Marchas Populares, na noite de Santo António, dando início a uma actividade marcante na sua vida, que perduraria até 1950/52, em que se tornou como que na ‘alma’ das Marchas Populares. Nesse ano, aliás, foi o autor da letra da Grande Marcha de 1935 (“Lá vai Lisboa”), com música de Raúl Ferrão e, imortalizada na voz de Amália Rodrigues.

A sua paixão por Lisboa não parava de crescer e, em 1936, encontramo-lo no núcleo fundador do Grupo dos Amigos de Lisboa, com Alberto Mac-Bride, Eugénio Mac-Bride, Álvaro Maia, Augusto Vieira da Silva, Eduardo Neves, Gustavo de Matos Sequeira, João Pinto de Carvalho (Tinop), José Pereira Coelho, Leitão de Barros, Levy Marques da Costa, Luís Pastor de Macedo, Mário de Sampayo Ribeiro e Rocha Martins.

No quadro das visitas promovidas regularmente pelo Grupo dos Amigos de Lisboa, em 14 de Março de 1937, profere uma alocução descritica durante a visita ao Mosteiro de S. Vicente de Fora, com enorme afluência de público. E, em 1938, inicia a publicação daquela que foi provavelmente a sua opera magna sobre Lisboa – Peregrinações em Lisboa, em 3 volumes, de 15 fascículos, com a direcção artística e ilustrações do pintor  Jaime Martins Barata, sem intuitos de erudição ou de inovação, mas antes de divulgação, numa linguagem clara e acessível.

Prémio Júlio de Castilho 30 Abril 1940

Entrega do Prémio Júlio de Castilho em 30 Abril de 1940

Esta obra valeu-lhe a atribuição do Prémio Júlio de Castilho, instituído pela Câmara Municipal de Lisboa e destinado a galardoar a melhor obra impressa publicada sobre Lisboa no decurso dos anos 1939-1940. E, em 30 de Abril de 1940 teve a honra de receber o Prémio das mãos do Presidente da República Marechal Óscar Carmona, em sessão solene que decorreu no Salão Nobre dos Paços do Concelho.

Data de 1939/40 a sua colaboração na «Exposição do Mundo Português» comemorativa do Duplo Centenário da Fundação do Estado Português em 1140 e, da Restauração da Independência em 1640, coordenando, em representação do Grupo dos Amigos de Lisboa, o Pavilhão de Lisboa, projectado pelo Arquitecto Luís Cristino da Silva, e com a direcção e colaboração artística do Pintor Jaime Martins Barata.

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Fotos_15Em 1948, no Dia da Cidade – 30 de Outubro –, numa sessão presidida pelo Presidente da República Marechal Óscar Carmona, no salão nobre dos paços do concelho, Norberto de Araújo recebeu a Medalha De Ouro da Cidade entregue pelo Chefe de Estado, com que foi distinguido pela sua obra de olisipógrafo. (cf. Anais do Município de Lisboa, 1948).

E, a 13 de Novembro a direcção e redacção do «Diário de Lisboa» homenageia-o com um  Jantar  na «Adega Mesquita, no Bairro Alto, celebrando a condecoração com a Medalha de Ouro da Cidade.

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Artur Portela, «Diário de Lisboa», 6.04.1946

Um dos seus melhores  biógrafos, além de seu colega e amigo, foi sem dúvida Artur Portela (1901-1959) – crítico literário e, escritor e, um dos mais destacados repórteres da sua geração.

Na edição de 25 de Novembro de 1952, em cerca de 3 páginas, prestou-lhe sentida homenagem, publicando uma notável síntese sobre a vida do colega acabado de desaparecer intitulada – Uma Carreira brilhantíssima de jornalista e de escritor. De tal modo singular e completo foi este texto que, no primeiro aniversário da morte de Norberto de Araújo, em 1953, acabou por ser publicado com ligeiras modificações, num opúsculo intitulado Norberto de Araújo – O Jornalista e o Escritor, editado pela Gazeta dos Caminhos-de-Ferro.

Capa

 Artur Portela retrata o homem, e revisita a sua vida e obra, com relevo para a sua profissão de jornalista. Insuspeito no seu depoimento, não teve dúvidas em apelidá-lo como «um dos maiores jornalistas de todos os tempos», não sem acrescentar:

«Norberto de Araújo foi mais do que um grande mestre do jornalismo; foi toda uma escola, uma época, uma geração, na síntese luminosa do que elas tiveram de mais representativo na soma enorme dos seus valores e das suas obras. Foi tudo – e fez tudo, em crispações tumultuárias, de uma personalidade exuberante, desmedida, que outra não há que se lhe compare, através das suas qualidades extraordinárias e também dos seus defeitos…»

Com uma intensa actividade multifacetada, Norberto de Araújo foi entrevistador, crítico, repórter, cronista, novelista e até poeta de límpida inspiração e,ainda no dizer de Artur Portela, «O seu talento multiplicava-se nos mais diversos e contraditórios planos – na rua, na ribalta, na política, no Parlamento, nas chancelarias, nos gabinetes ministeriais, nas grandes viagens internacionais, nos julgamentos, nos fait-divers, dando sempre a nota aguda, impressiva, com originalidade, de uma maneira muito pessoal, em que o seu estilo e a sua visão eram diferentes de todos e melhor do que todos».

E, reconhecendo o seu contributo para a afirmação e sucesso do «Diário de Lisboa» afirma:

«Pode dizer-se que sob a égide do dr. Joaquim Manso, ele foi durante muitos anos a alma desta redacção. A sua estrela mais brilhante. Se o aparecimento do «Diário de Lisboa» marcou uma renovação, ou mais precisamente, uma revolução vitoriosa no jornalismo, como muitos reconhecem, a Norberto de Araújo se deve em larga parte, pela acção catalisadora e o espírito audaz, essa emancipação do formalismo, o traço literário, que se havia perdido desde o tempo das «Novidades»…».

E, acrescenta Artur Portela, nessa comovente homenagem, «era o homem dos extremos, das antíteses, do muito bom e do muito mau, demasiadamente impressionável, que ardeu até ao último dia da sua existência com o cérebro lúcido, ainda cheio de ideias e projectos que excediam, porventura, a escala humana».

Evocando as suas famosas Páginas de Quinta-Feira, Artur Portela não hesita em classificá-las como um «… caleidoscópio multicolor do seu pensamento e comentário literário e artístico, político e social de uma época rica de acontecimentos». Lembrando em seguida, as suas obras de ficção, regista sobretudo os seus estudos olisiponenses, com destaque para as Peregrinações em Lisboa, que ligaram «…o seu nome à plêiade ilustre de escritores que se ocuparam da história da cidade, como Júlio de Castilho, Vieira da Silva, Matos Sequeira e Pastor de Macedo».

Noutro passo do seu notável artigo, Artur Portela esclarece-nos que «Ninguém ignorava as suas opiniões políticas. Era, por inteligência e por convicção, republicano desde que se conheceu, um democrata esclarecido. Mas todos sabiam, também, que era tolerante e generoso, respeitador das opiniões alheias

E, mais adiante, testemunhava a sua independência e probidade dizendo «Ontem, como hoje, seria um jornalista maldito, que não hipotecava a sua pena a nenhuma iniciativa suspeita nem emprestava o seu nome a nenhuma cabala contra o interesse nacional. Era um patriota sem mácula e um revolucionário que se batia por todas as causas nobres e por todas as aspirações justas».

Portela não deixou de assinalar aquilo que considerou «uma reportagem emocionante» – feita por Norberto de Araújo – a da visita da rainha D. Amélia ao Panteão de S. Vicente: «Não lhe fala. Segue-a, apenas, como uma sombra. As abóbodas acordam. A figura alta e majestosa, coroada de cabelos brancos, perpassa como um espectro shakespeariano. O silêncio é absoluto. Ouve-se. A rainha caminha na igreja, ajoelha-se ergue-se, atravessa no meio da expectação geral a sacristia e entra finalmente no Panteão. Ouve-se, apenas, naquele profundo silêncio de pedra e de morte, um ruído cavo, insistente, como que marcando um compasso de um metrónomo trágico: o bater da bengala da rainha nas lajes dos claustros…» acrescentando, «Norberto de Araújo legou-nos esta visão, porventura única nos anais da Imprensa. Traduziu tudo».

Norberto de Araújo e Maria Sofia Cirilo Machado

Norberto de Araújo e Maria Sofia Cirilo Machado

Sobre a sua faceta de escritor, Artur Portela considera que «…o ponto mais alto de criação e de expressão tem origem num tempestuoso conflito passional… desse dilacerante conflito de amor, fatal e camiliano, romance veemente de perdição…» no qual, «… Norberto de Araújo, como que encontrou novos acentos do seu talento de oiro».

Referia-se Artur Portela, à relação que Norberto de Araújo manteve com a poetisa e escritora D. Maria Sofia Pinto Basto Cirilo Machado(24.04.1897 – 19.01.1933), filha do Embaixador Carlos Cirilo Machado, 2º visconde de Santo Tirso e de sua mulher Gabriela Filipa Jervis Atouguia Ferreira Pinto Basto, de quem teve duas filhas, a primogénita falecida em criança e, D. Maria Gabriel Cirilo Machado de Araújo (16.08.1929 – 20.04.2006).

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Gustavo de Matos Sequeira homenageou-o nas páginas da revista «Olisipo», do “Grupo dos Amigos de Lisboa”, em Janeiro de 1953, escrevendo:

«Ele amava verdadeiramente a sua Lisboa natal, e, mais do que isso, punha nesse amor um enternecimento de namorado antigo, ainda romântico, com rasgos de sentimentalismo e arroubos de infantilidade afectiva» (cf. «Olisipo», ano XVI, nº 61, Janeiro de 1953, p. 3).

E, sobre o seu papel nas Marchas de Lisboa testemunhou:

«Foi ele quem, descendo sem esforço, com prazer, ao plano dos interesses de cada bairro, conseguiu arrancar a todos a sua alegria e a sua expressão próprias, e trazê-las para a rua em teorias agitantes de canções que celebravam as suas grandezas populares, o seu casticismo particular, o seu bairrismo marcante».

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Também, em Março de 1971, no aniversário do seu nascimento, por iniciativa de outro jornalista e poeta seu amigo – Fernando Peres, teve lugar uma homenagem a Norberto de Araújo na «Adega Mesquita» – que ele tantas vezes havia frequentado – com declamação de poemas de sua autoria. Na ocasião foi descerrada uma lápide, tendo o Dr. Augusto de Castro ilustre director do «Diário de Notícias», no uso da palavra, considerado Norberto de Araújo «o último de uma geração de mosqueteiros românticos que existiram no jornalismo português», fazendo-o pensar «na grandeza e na miséria desta profissão de cavaleiros de letra redonda para que ele nasceu, de que ele viveu e em que prematuramente morreu» (cf. Diário de Lisboa, de 21-03.1971).

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Em 30 de Outubro de 1986, nas comemorações do 150º aniversário da fundação da Cervejaria Trindade, tiveram lugar uma série de palestras literárias e artísticas, tendo sido uma delas dedicada à evocação de dois olisipógrafos ilustres: Matos Sequeira e Norberto de Araújo, feita pelo Prof. Doutor Fernando Castelo Branco, da Academia da História e da Academia das Ciências.

Segundo, o palestrante, estabelecendo a comparação entre os dois olisipógrafos, «Norberto de Araújo, em especial, nas «Peregrinações» procurou apresentar uma visão panorâmica, com base na bibliografia já publicada…», acrescentando que «ambos, no entanto, deixaram testemunhos significativos e de superior qualidade literária, acerca de Lisboa, que se tornaram indispensáveis de consulta para todos que desejarem inteirar-se da história da cidade através dos tempos».

De seguida, o jornalista e escritor António Valdemar assinalou o significado da iniciativa da Sociedade Central de Cervejas ao recordar a memória de personalidades ilustres que frequentaram a Cervejaria Trindade, elogiou a alocução de Fernando Castelo Branco e, agradeceu a presença das filhas de Matos Sequeira e de Norberto de Araújo que, de seguida, descerraram duas lápides evocativas.

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No I Centenário do Nascimento de Norberto de Araújo, em 1989, vários jornais dedicaram páginas à sua memória, evocando designadamente, o grande jornalista e o olisipógrafo ilustre que ele foi.

A título de exemplo, citamos o jornal «Diário Popular» de 21 de Março de 1989, que lhe dedica 3 páginas, em artigo do insigne jornalista e escritor Baptista-Bastos que numa singela homenagem ao «jornalista de velha escola» afirma, na sua pena brilhante:

«Fundador de jornais, cronista que recuperou (renovando) a grande tradição do género legada pelo século XIX; entrevistador que não iludia perguntas nem estava comprometido com o medo; repórter de frase curta, palavra solta, liberta da ganga da retórica – Norberto de Araújo introduziu na Imprensa Portuguesa, o que, abusivamente, se chama hoje de «jornalismo cultural». Esse jornalismo pretendia sobrepujar-se ao laconismo da informação medida a centímetro, dando voz àqueles que, no teatro, na narrativa, na poesia, na pintura e, até, no cinema, criavam situações novas na cultura.»

Sobre o olisipógrafo, Baptista-Bastos adianta:

«…Norberto de Araújo retratou Lisboa – com pessoas. Nunca a sua pena elidiu figuras, figurões, passante e personagens, heróis e carvoeiras, aguadeiros e santos, monges e varinas. Os seus belos livros estão pejados desse pessoal menor, da arraia-miúda, expressão tão cara a Fernão Lopes, o pai da prosa portuguesa e nosso mestre de reportagem. – Fernão Lopes que Norberto de Araújo lia, amava e propagandeava».

Baptista-Bastos lembra ainda um facto pouco conhecido e evocado, o de Norberto de Araújo ter criado bibliotecas em muitas colectividades de cultura e recreio da cidade.

Dr. Norberto Lopes («Diário de Lisboa» de 6.04.1946

Por seu turno, seu amigo e colega Norberto Lopes escreveu igualmente, uma sentida homenagem nas páginas do «Diário de Notícias», de 21 de Março de 1989.

Conta ele, que conheceu Norberto de Araújo em Coimbra, em 1921, durante uma excursão de jornalistas a Coimbra, tendo-o este convidado «…para colaborar, por uma vez, na secção diária que mantinha na Manhã, intitulada Miniaturas, tendo nascido assim «…uma amizade que durou a vida inteira e que nenhuma susceptibilidade passageira pôs em causa». Foi pela mão de Norberto Lopes, que Norberto de Araújo haveria de ser admitido no novo «Diário de Lisboa», dirigido por Joaquim Manso, onde se manteve até falecer.

Ninguém melhor do que Norberto Lopes, o soube descrever e retratar: «…possuidor de uma «truculência de D’Artagnan…. com uma face de senador romano… usava o cabelo curto, o que lhe dava um ar de candura infantil. Tinha ombros largos, levemente flectidos, um corpo robusto e um tanto desengonçado, uns olhos verdes, irradiantes, em que flamejava uma chama alta de alegria e de rebeldia espiritual. E ria, folgava, gracejava, cantava, como se tivesse descoberto uma mina de ouro num deserto desolado e triste

Recorda o seu percurso de jornalista, designadamente a sua esporádica passagem pelo «Diário de Notícias», «… distinguindo-se por uma reportagem famosa na Itália de Mussolini, em despique com António Ferro, que era, então, redactor do Século, os dois jornais que mantinham permanente rivalidade».

E, acrescenta Norberto Lopes, nessa comovente homenagem: «…era o homem dos extremos, das antíteses, do muito bom e do muito mau, demasiadamente impressionável, que ardeu até ao último dia da sua existência com o cérebro lúcido, ainda cheio de ideias e projectos que excediam, porventura, a escala humana».

Comentando também as suas famosas Páginas de Quinta-Feira, Norberto Lopes não hesita em classificá-las como um «… caleidoscópio multicolor do seu pensamento e comentário literário e artístico, político e social de uma época rica de acontecimentos».

Evocando depois a suas obras de ficção, regista sobretudo os seus estudos olisiponenses, com destaque para as Peregrinações em Lisboa, que ligaram «…o seu nome à plêiade ilustre de escritores que se ocuparam da história da cidade, como Júlio de Castilho, Vieira da Silva, Matos Sequeira e Pastor de Macedo».

Noutro passo do seu texto, Norberto Lopes esclarece-nos que «Ninguém ignorava as suas opiniões políticas. Era, por inteligência e por convicção, republicano desde que se conheceu, um democrata esclarecido. Mas todos sabiam, também, que era tolerante e generoso, respeitador das opiniões alheias.»

E, mais adiante, «Ontem, como hoje, seria um jornalista maldito, que não hipotecava a sua pena a nenhuma iniciativa suspeita nem emprestava o seu nome a nenhuma cabala contra o interesse nacional. Era um patriota sem mácula e um revolucionário que se batia por todas as causas nobres e por todas as aspirações justas».

Mas contudo, seria o Embaixador Dr. Mário Neves – também jornalista emérito que foi colega de Norberto de Araújo no «Diário de Lisboa», e antigo director-adjunto de «A Capital» – que, no discurso proferido na sessão de homenagem promovida pelo «Grupo dos Amigos de Lisboa», na sua sede, em 24 de Juno de 1989, após referir detalhadamente aspectos da biografia de Norberto de Araújo ligados principalmente à sua vida como jornalista, chamou a atenção para um aspecto menos lembrado da personalidade do homenageado:

Isto é, o de «jornalista republicano convicto», como o apelidou, recordando algumas reportagens políticas, designadamente, a que fez em Itália nos anos 20’s do século passado, entrevistando Mussolini, e que comparando-a com a reportagem feita por António Ferro na mesma altura, se vê quão Norberto de Araújo estava longe do ideário deste seu colega (cf. Reportagem de Rodrigues da Silva, in «Diário de Lisboa», de 26 de Junho de 1989).

***

Segundo testemunhos daqueles que com ele privaram, Norberto de Araújo tinha uma personalidade cativante, sabendo como ninguém criar empatia com as pessoas. Falava com toda a gente, independentemente da sua classe social, com a mesma simpatia e afabilidade. Adorava conviver com os amigos e passar longas horas em amena cavaqueira, o que levava a que, em sua casa, houvesse sempre mesa e cama posta para mais um.

Entre os seus amigos e frequentadores de sua casa, para além de seus colegas jornalistas, contavam-se pintores – como Almada Negreiros, Martins Barata, Abel Manta, Eduardo Malta, Armando Lucena – e ilustradores, como Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Eduardo Galhardo; escritores, poetisas e dramaturgos como Virgínia Vitorino e, actrizes como Amélia Rey Colaço ou fadistas, como Amália Rodrigues e Maria de Lourdes Machado e músicos como Raúl Ferrão, entre muitos outros.

Irradiando grande simpatia e de trato afável, dava-se igualmente bem com a gente simples do povo, bem como com os ricos e mais abastados.

Sendo grande apreciador de Fado ia amiúde jantar com a Família e amigos, quer à Adega Machado para ouvir o grande Alfredo Marceneiro, que muito admirava ou, à Adega Mesquita, que aliás tinha nas paredes azulejos com alguns dos seus versos.

A partir de 1939 alugou uma casa ao ano na Caparica – na Quinta do Outeiro da Bela-Vista – propriedade da família Monteiro Torres, onde passava o Verão, de Junho a finais de Setembro, com a Família. Tinha por hábito fazer longas caminhadas a pé com seus netos, visitando quintas e edifícios históricos na Caparica, na Sobreda e na Charneca da Caparica, sobre as quais escreveu aliás alguns artigos no «Diário de Lisboa».

Foto de Mário Novais, c. 1946, Biblioteca de Arte – Fundação Calouste Gulbenkian

Desta época vinha o seu encanto pelo antigo Convento dos Capuchos, edificado por D. Lourenço Pires de Távora em 1558, muito danificado pelo terramoto de 1755, vendido após a extinção das ordens religiosas e, votado ao maior abandono por incúria e desinteresse do seu proprietário e, inércia das autoridades.

Daí, ter iniciado uma campanha, que teimosamente durou quase duas décadas anos nas páginas do «Diário de Lisboa», pugnando para que se pusesse termo a esta inaceitável situação de degradação do património. O edifício e a propriedade anexa viriam a ser finalmente comprados pela Câmara Municipal de Almada em 1950, que iniciou de imediato obras de reabilitação, a começar pela Igreja, que foi reaberta em 1952.

Como bem lembrou Artur Portela, na homenagem feita da Costa de Caparica, em 1957, Norberto de Araújo «quando penetrou nas ruínas do convento dos Capuchos a sua sensibilidade contraiu-se angustiadamente. Lançou o grito de alarme. Varou todos os muros da indiferença. E quando, finalmente, o atenderam foi o primeiro a reerguer as pedras tombadas e a acender, no pequeno e gracioso templo neptunino, a suave luz cristã, farol das campanhas que andam lá longe, sob a tremura das estrelas e que nem sempre voltam» (cf. «O Século» de 3.07.1957).

Convento dos Capuchos, foto de Nuno Ribeiro

Por vezes, ia à praia ao final da tarde, comprar peixe miúdo aos pescadores para fazer «escabeche» num pote de barro – um dos seus petiscos favoritos.

O seu gosto pela caça, levava-o também, na época da caça, a ir caçar rolas junto à falésia.Avô na caça

Numa época, em que escasseavam os automóveis particulares e não existia a televisão, o tempo passava-se a ler, a conversar ou a jogar dominó, jogo em que era exímio. Amiúde organizavam-se também empolgantes burricadas desde a Costa da Caparica até à Fonte da Telha, com o inevitável pic nic pelo meio, e a sesta nos pinhais.

Muitas vezes também com seus netos, Tinita e Jorge, fazia longos passeios pela falésia, procurando e recolhendo fósseis, lembrando-lhes, que um dia, o Oceano voltaria a cobrir estas terras, (a cerca de 320 m de altitude acima do nível do mar) outrora submersas.

Porque era um apaixonado pela astronomia, nas noites límpidas de Verão perscrutando o firmamento com seus netos, sentados nas cadeiras transatlânticas que havia no Outeiro, cobertos pela capa negra de estudante de seu filho Marius, ensinava-lhes a localização e o nome das constelações, estrelas e planetas do sistema solar, visíveis a olho nu, sobretudo nas noites de Agosto.

rua noberto de araújo_2                    rua noberto de araújo_1

Durante um jantar de confratenização do grupo dos «Capotes Brancos», Norberto de Araújo foi recordado pelos seus antigos consócios Matos Sequeira e o jornalista Artur Portela que, dirigindo-ae ao jornalista Augusto Pinto – vereador da Câmara Municipal de Lisboa, apelou a que Norberto de Araújo fosse devidamente homenageado tendo o seu nome «na esquina de uma rua». A sugestão foi de imediato acolhida por Augusto Pinto e por Gustavo de Matos Sequeira.

E, foi assim que, em Março de 1956, sob proposta de Matos Sequeira, membro da Comissão de Toponímia do Município e, do jornalista e vereador Augusto Pinto, a Câmara Municipa de Lisboa resolveu homenagear Norberto de Araújo dando o seu nome a uma Rua de Alfama, a antiga rua da Adiça, junto às Portas do Sol. Pena foi que se tenha omitido referência à sua qualidade de jornalista e olisipógrafo.

Sua bisneta Filipa de Araújo Martins Farinha dos Santos

Na Costa da Caparica também a edilidade lhe dedicou uma artéria levando o seu nome.

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